quinta-feira, 16 de julho de 2015

Coluna do dia: Novas tecnologias e o tempo livre*



No desenvolvimento das novas tecnologias, nunca, em toda a história da humanidade, o homem foi tão poderoso como atualmente. Internet, EAD, videoconferência, realidade virtual, ciberespaço/cultura, inteligência artificial etc. É impressionante como, além de vivermos em tempos de produção de todas as facilitações e grandes propostas de liberdade, vivenciamos a percepção da perda do tempo para descansar. Todas as exigências culturais e suas criações tecnológicas acontecem com a idéia de que os indivíduos têm tempo de lazer, de descanso. Mas o que se observa é que as “máquinas”, cada vez mais ocupam “lugares” humanos, e este humano, desocupado, não sabe o que fazer de si mesmo ou de si mesmo com o outro (família, amigos, amores).

Diante desse dilema, os sujeitos ocupam seus tempos com novas atividades tão cansativas quanto as que fazem no cotidiano rotineiro de uma semana. Eles renovam o movimento do trabalho de diferentes formas e, desarmônicos em relação ao próprio corpo físico e mental, embriagam-se pelo poder, negam seus sentimentos e, vez por outra, deparam-se com a incômoda sensação de vazio: é a depressão.

Os objetos criados para facilitar o dia a dia, além da ação confortável do relaxamento, por outro lado e intrinsecamente, investem na ascensão de um dos grandes pecados capitais, a vaidade, tal e qual Dorian Gray, personagem do livro “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde. Este (Dorian) engendra a vaidade dentro de um grande radicalismo, pois, perante a promessa de poder, a inocência, a beleza, o amor, tudo se corrompe.

As novas tecnologias, pelo seu lado, sem a devida medida, alimentam a sensação de grandeza e poder dos sujeitos, por terem grande nível de sedução. Celulares, laptops, computadores, banda larga, etc. seduzem pelo número de ações que podem oferecer (facilitar) num espaço pequeno e tempo curto. A sensação é de que os sujeitos estão se tornando verdadeiros ‘Rambos’ armados até “os dentes” por pura vaidade.

No contexto social, a cada semana, novos aparelhos apresentam-se ao mercado tecnológico processando mais e mais novidades em seu uso. E a cada novidade a real necessidade de seu porte não acompanha a eliminação da novidade anterior, causando abarrotamento de objetos pouco usados (inúteis) em casa, nas bolsas ou nos lixos. Um exemplo objetivo é o celular.

Hoje em dia, além de eliminar distâncias entre as pessoas, o celular presentifica o conceito de ‘multimídia’: tira fotos, é webcam, é aparelho de vídeo e TV, toca música, diverte com vários tipos de jogos, ‘baixa’ mensagens e novas músicas da Internet, ou seja, engloba diversas ações facilitadoras às “novas” exigências dos indivíduos. Em conseqüência, sempre cortejados por essas novidades, todos acreditam serem seres especiais. O celular gera a sensação de pertencimento / status na mente e no grupo. “Sou especial porque possuo”, acreditam. Ou seja, possuir torna-se um vício e o acúmulo torna-se pernicioso às personalidades e temperamentos pela gradativa perda da identidade.

Sem o devido cuidado de todos (pais, professores, técnicos, teóricos), a cada geração estaremos, mais e mais, falando dos vazios e das faltas que percebemos nas relações que a juventude vai criando em seus poucos espaços de independência como bailes, escolas, músicas, festas, viagens. Há uma falta de consistência e de longevidade nas relações que necessitam de análises sérias, principalmente, quando, contrariamente, se exige que sejam, especialmente, brilhantes, atraentes e poderosos. Desta feita, os mais jovens mais se escondem nas novas tecnologias a que têm livre acesso, com poucos (mínimos) direcionamentos e inflam egoicamente suas projeções (sonhos, fantasias, vontades e desejos) na cotidianidade, porque não sabem o que fazer ou que caminhos tomar.

Palavras como fracasso, perda ou morte não têm sentidos reais. E mais, à parte de valores, conceitos, relações veiculadas como ideais, eles ainda são sobrecarregados com a idéia de que devem ser super-homens e mulheres. Êxito, sucesso, conquistas materiais e realização pessoal passam a ser expressões sinonímicas e, segundo aprendem, só são alcançados com muito trabalho, grandes descartes (negações) e pouco divertimento. Aliás, divertimento, a partir de certa faixa etária, é quase uma palavra de baixo calão, diante de tais e tantas exigências advindas da sociedade de consumo. E, dentro desse pensamento, o imaginário sobre o ‘descanso’ (lazer, relaxamento) está altamente potencializado, porque nunca conquistado ou realizado como se deseja.

Todas essas exigências se apresentam estrategicamente como fórmulas perfeitas para que o sujeito possa gerenciar seu tempo livre. Criações tecnológicas criam tempo livre, mas o que fazer com esse tempo livre? Com a presença das novas tecnologias em diversas profissões ou agilizando (ajudando) diversas profissões pelo nível de interação, o que fazer com o tempo livre?

Todos os poderes são aceitos por nos entendermos / sabermos altamente criativos sob diversos aspectos, mas essa certeza cai por terra quando temos o tempo livre. Num mundo capitalista, ser útil é ser somente trabalhador profissional. Os sujeitos não se entendem úteis sendo perceptivos de si mesmo, ou reelaborando-se interiormente para reinvestir em suas funções profissionais com mais equilíbrio e mais força. ‘Ser útil’ quer dizer ‘ser trabalhador padrão’, de preferência 24h ao dia, todos os dias.

A partir do século 19, submissão, austeridade e relações de culpa foram substituídas por maneiras de exibição. Novas tecnologias e velocidade das informações são outras maneiras de exibição. Dessa linha, surgem o voyerismo e o narcisismo. As pessoas acham-se voltadas para a sua própria imagem, estão embriagadas pelo poder e negam seus sentimentos. E o excesso de trabalho é a forma estratégica encontrada para se manterem abaixo da linha do suicídio. Porém e, mesmo assim, mostram-se mais sujeitos à depressão e às sensações de vazio interior.

Dentro do turbilhão do trabalho diário, cada vez mais as emoções ficam “desinvestidas” da simbologia exterior e ficam muito investidas na imagem que a pessoa tem dela própria e que é criada em cima de tudo o que dizem que ela pode ser no mundo. As interações que realizam diariamente acontecem na expectativa de atrair mais e mais lucro a qualquer preço, sem dividir. Esse movimento amortece o corpo (adaptação à superestimulação das grandes cidades: barulho excessivo, ritmo intenso, tensões) e bloqueia as percepções, ou seja, os indivíduos vêem apenas o que querem ver. É um castelo de papel que construímos paulatinamente, encobrindo toda e qualquer sensibilidade e afeto até precisarmos de toda essa atividade e excitação como parte de nós mesmos e para nos sentirmos vivos. Daí a dificuldade agônica de aceitar e passar pelo tempo livre.

Na condição moderna, ao invés das pessoas se abrirem às sensações e aos sentimentos, tenta-se a insensibilização para não enlouquecer. Perde-se o ritmo entre trabalho e repouso, já que ação e realização são melhores do que o repouso. Fazer alguma coisa é melhor que nada. Sem descansar, ficamos desorientados. Envenenados pelo ímpeto do sucesso a qualquer preço e nossa ‘vida humana’ corre perigo. A excessibilidade inflige sofrimento a todos. ‘Todos estão/estamos muito ocupados!’ – dizem/dizemos. E isso é dito com grande orgulho, afinal estamos dando conta de nossa independência, estamos sendo responsáveis. Junto às novas tecnologias enfrentamos cada dia de forma voraz e frenética, acreditando nessa dinâmica como troféu de nossa capacidade de nos multiplicarmos por atividades e no tempo.

Dentro do tempo livre, não há o mínimo senso do próprio self. A inutilidade bate à porta de todos. Degradante é a sensação de desconectar-se de nossa natureza humana para sermos deuses. Que paradoxo! Em par com Prometeu, a humanidade conseguiu o fogo e dele pôde aquecer sua criatividade. Mas, e quando só viver for preciso, o que acontece? E quando precisarmos nos responsabilizar por nós mesmos em tempo livre, o que acontece? E quando necessitarmos ouvir nossas vozes mais profundas, o que acontece? Nada! Literalmente, não deveria acontecer nada! Só deveríamos sentir... Acontecerá só o movimento dos acontecimentos diante da nossa (pré) disposição para senti-los. Tempo livre é disposição para a ação do nada!

Em tempo livre, não precisaríamos resolver nada... Precisaríamos descansar, repousar, meditar, rir, brincar, papear... Buscar a alegria de viver, o sabor da vida, mesmo diante do computador, do laptop, do vídeo, da TV, do livro. Se permitimos que nossas ferramentas e recursos maquínicos estabeleçam tempos “para o nada”, aproveitemos essa ausência de esforço para outros esforços, mas esforços mais interiores, mais identitários, mais amplos de si e dos outros. Tornar o mundo frutífero é aceitar o espaço de tempo livre para ouvir as pequenas vozes ao redor.

Atenção: no tempo livre, é que nos lembramos de quem somos e do que sabemos. Fazer, vez por outra, um pit stop, é influenciar a ação de lembrar e, com isso, reavaliar nossas aceitações, nossos aprendizados, nossos conhecimentos, nossas posições e nossas descobertas. Então: o tempo livre é a dormência necessária para sentirmos nosso corpo.

O corpo é a nossa tecnologia inicial, principal e final! Tudo bem?

Vez por outra, por favor, aceitem o tempo livre!


Profa. Claudia Nunes

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