segunda-feira, 21 de abril de 2014

Veste robótica está ‘pronta para a Copa’

por Roberta Jansen e Maria Clara Serra

Prótese tem chips que identificam atividade elétrica no cérebro, que é traduzida em movimento
Foto: Reprodução
Prótese tem chips que identificam atividade elétrica no cérebro, que
é traduzida em movimento Reprodução
O jogador do futuro é brasileiro. Ele será apresentado ao mundo em 12 de junho de 2014, durante a abertura da Copa do Mundo — a primeira realizada no país desde 1950, quando o Brasil perdeu para o Uruguai na final, em pleno Maracanã. Na cerimônia, o atleta canarinho pretende marcar o maior gol da ciência nacional dos últimos anos: ser o primeiro paraplégico do mundo a chutar uma bola e correr para a torcida. Neurocientista e torcedor fanático de futebol, o brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade de Duke, nos EUA, conta que está tudo pronto para apresentação. Um paraplégico usando uma veste robótica (ou exoesqueleto) será capaz de dar o pontapé simbólico na festa de abertura da competição. Não se sabe ainda se será um homem ou uma mulher, mas será um brasileiro, na faixa dos 25 aos 35 anos, com paralisia total dos membros inferiores.

Esta pessoa não apenas será capaz de dar o pontapé inicial na cerimônia. Ela também sentirá - provavelmente pela primeira vez em muitos anos — a grama do campo sob seus pés. Uma pele artificial será colocada na sola do pé do jogador e emitirá sinais para o seu antebraço. Na realidade, a sensação de andar sobre a grama será no braço, mas, como a pessoa está, de fato, caminhando, ela “engana” o cérebro, que passa a incorporar as pernas virtuais como próprias, e “sente” a grama sob os pés.

- Eu mesmo testei, e é incrível - garante Nicolelis. - É uma ilusão muito poderosa, eu senti como se estivesse correndo pelo gramado.

O grupo de pesquisa de Nicolelis é um dos mais avançados do mundo num campo inovador de pesquisa, conhecido pelo pouco amigável nome de interface cérebro-máquina. O objetivo dessa linha de estudos é conseguir mover membros virtuais (externos ao corpo) apenas com a força da mente. 

Parece pura ficção científica, mas é tecnologia de ponta. O traje robótico, por exemplo, construído a partir de ligas leves e alimentado por um sistema hidráulico, foi elaborado por Gordon Cheng, da Universidade Técnica de Munique, e tem a função de trabalhar os músculos da perna paralisada. E, embora seja fruto de um complexo trabalho envolvendo centenas de cientistas ao longo de pelo menos dez anos, não é tão difícil de explicar como pode parecer.

Pessoas que não têm nenhuma lesão na medula se movimentam da seguinte forma: em primeiro lugar, elas imaginam o movimento que querem executar; por exemplo, chutar a bola que está a sua frente. Em seguida, o cérebro envia essa intenção de movimento à perna, por meio de células nervosas da coluna. Somente então, quando os sinais nervosos chegam aos membros inferiores, o movimento acontece. Claro que não nos damos conta de nada disso porque tudo acontece em frações de segundo, criando a ilusão de uma simultaneidade que, na verdade, não existe.

Chips decodificam intenção de movimento
Em pessoas paraplégicas, no entanto, isso não ocorre. O sinal enviado pelo cérebro, indicando o movimento, não chega aos membros inferiores por conta da lesão na medula, que bloqueia o caminho dos sinais nervosos. O que o grupo de pesquisadores liderados por Nicolelis descobriu foi uma forma de driblar tal interrupção.

Isso é possível por meio de chips acoplados a uma touca, capazes de decodificar a atividade elétrica gerada no cérebro pela intenção do movimento. Esta intenção, por sua vez, será traduzida na forma de comandos digitais por um computador levado nas costas do jogador, em uma mochila. São esses comandos, por fim, que vão gerar movimento nos membros externos do exoesqueleto.

A pessoa que dará o pontapé inicial da Copa do Mundo estará vestida com o protótipo do que o grupo do cientista chama de prótese inteligente - uma estrutura metálica articulada em pontos-chaves dos membros paralisados.

- É como um aparelho de reabilitação, uma prótese de corpo inteiro, que permitirá ao paciente realizar os movimentos - revela Nicolelis. - Enquanto a pessoa usá-lo, voltará a ter autonomia.

O protótipo ficou pronto em novembro passado e, desde dezembro, um grupo de oito pessoas (seis homens e duas mulheres) com lesões nos membros inferiores está treinando o uso da prótese, como parte do projeto Andar de Novo. Todas elas são candidatas a se tornarem o jogador do futuro, mas o nome de quem vai adentrar o gramado, segundo o neurocientista, ainda não foi revelado. Seu uniforme tampouco foi apresentado - é uma surpresa guardada para o dia da festa - mas, certamente, será verde e amarelo.

O grupo de cientistas já até levou o protótipo para um teste em um estádio de futebol. Havia o temor que, num local aberto, repleto dos mais diversos sinais eletrônicos, pudesse haver interferências no equipamento. Mas, conta o neurocientista, deu tudo certo. Embora Nicolelis tenha feito boa parte de sua carreira nos EUA, o treinamento para a Copa do Mundo está sendo realizado em São Paulo, no Laboratório de Neurorobótica da Associação Alberto Santos Dumont, em parceria com a Associação de Assistência à Criança Defeituosa.

- Tudo está caminhando como o planejado - conta Nicolelis. - Toda a tecnologia foi desenvolvida, os pacientes já são capazes de controlar os movimentos e interpretar o feedback tátil.

Novo capítulo nas terapias de reabilitação
Ao fim, explica o neurocientista, quem estiver mais bem preparado dará o pontapé simbólico, será uma escolha circunstancial.

- Mas estão todos muito engajados e todos continuarão trabalhando. E haverá outras demonstrações. As pessoas estão achando que é o fim do projeto (a demonstração na Copa do Mundo), mas, na verdade, é apenas o começo.

Para o cientista, sua audaciosa engenhoca abre um novo capítulo nas terapias de reabilitação, não só de paraplégicos.

- A técnica poderá ser usada para treinamento e reabilitação de pessoas que tenham limitações, como idosos com dificuldade de andar - explica. - Poderá dar autonomia a paraplégicos e, quando adicionarmos braços, poderá ser usada também por tetraplégicos.

Nicolelis diz não ter o cálculo final do custo do protótipo, mas admite que é muito caro ainda.

- Com a popularização, o preço vai cair e se tornar acessível. É como o primeiro carro de Henry Ford ou o primeiro avião de Santos Dumont - compara, deixando de lado a modéstia.- Vamos difundir para o mundo todo algo extremamente útil para milhões de pacientes e, ao mesmo tempo, galvanizar o interesse pela ciência num evento esportivo, passando uma imagem do Brasil que poucas pessoas têm em mente.

De fato, se conseguir fazer um paraplégico dar o pontapé inicial da Copa, Nicolelis se credenciará ao cobiçado Prêmio Nobel (seria o primeiro do país) e o Brasil mudará de patamar na ciência mundial. Um gol decisivo numa Copa do Mundo em território nacional.

Fonte: Jornal O Globo

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